segunda-feira, 16 de junho de 2008

Sistema

Roberto não era religioso, na verdade nem religião tinha. Dedicava-se somente ao trabalho e tinha ojeriza à boemia. Era um yuppie workaholic, com meta no primeiro milhão de dólares antes dos 30.

Na faculdade conheceu Rosana, por quem se apaixonou alucidamente ao ponto que sairia do trilho de sua meta de vida. Mas ela era comunista, ativista, dessas que usava boina, cabelo chanel e sempre alguma estrela vermelha em qualquer coisa que vestisse. Um livro vermelho no bolso escondido e a internacional comunista como canto de alegria.

Óbviamente não se deram tão bem quanto ele ou ela puderam querer um dia. O fim do relacionamento resumiu-se em diferenças político-ideológico-economicas.

Quando ele formou, já tinha aberto o próprio negócio que gerava lucros absurdos explorando um mercado de concorrência nula. Ações, juros baixos, desenvolvimento econômico, tudo garantiria que tudo estava realmente dentro dos planos de Roberto.

Passaram alguns anos e ele estava prestes a chegar no seu primeiro milhão pessoal, a empresa já atingira há tempos, mas o estresse e a super dedicação exigem seu preço no corpo, careca lustosa, um corpo sedentário e cheios de vícios que só o dinheiro pode pagar.

Um dia reencontrou Rosana, professora universitária com vários livros publicados internacionalmente, sem estrelas vermelhas e com sapatos Gucci. Os anos lhe foram generosos, exceto por uma ou outra curva que lhe acentuou. Desiludida em parte com alguns dos ideais de sua juventude, mas ainda fiel ao regime vermelho mesmo o muro de Berlin já tendo caído há anos.

Ele a convidou para jantar. O melhor restaurante da cidade, elegantes pratos e umas garrafas de Lafite Rotshchild. E tinha tido até então nem uma conversa interessante até que Roberto diz:

- Quer casar comigo?
- Porque isso agora Roberto?
- Quer casar comigo?
- Não. Eu estaria me vendendo ao capitalismo.
- Alta costura, sapatos, luxo e dinheiro não te seduzem então?
- Não.
- E o que você faz com esses Prada última coleção, um brilhante que vale uma casa popular, tomando do meu vinho que equivale ao salário de 4 anos de um trabalhador de um país subdesenvolvido?
- Uma vez Mao disse "é melhor deixar se envolver pelas pequenas moscas do que ficar com a janela fechada".
- Ah, Armani, Prada, Chanel são as moscas então.
- Por um ponto de vista, sim.
Emudecem...
- É você se perdeu nas suas ideologias, Rosana.
- E você seguiu a sua cartilha.

E Rosana tomou uma última taça de vinho. Saiu aos tropeços, Roberto ficou sentado apreciando o momento, pensando que não haviam pequenas moscas, e sim um pandemônio do tipo que arrebentariam a janela de qualquer jeito. E quando Rosana percebesse isso, ele a pediria novamente em casamento.

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